Protesto na AG da Portugal Telecom

<i>Golden share</i> para o capital

Sindicatos e trabalhadores recusaram anteontem o argumento da «crise», que serve à PT para negar aumentos salariais, mas também permite dar largos milhões aos accionistas privados, que ficam agora com as mãos livres.

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Uma concentração de protesto teve lugar na terça-feira, ao início da tarde, junto à sede da PT, em Lisboa. A plataforma sindical, constituída no Grupo Portugal Telecom pelos sindicatos SNTCT, Sinquadros, Sinttav, STPT e STT, quis assim marcar posição durante a assembleia geral de accionistas que reuniu no Edifício Picoas para concretizar a decisão do Governo de alienar as 500 acções do Estado com direitos especiais (golden share).

O decreto-lei 90/2011, que deu cumprimento ao que PS, PSD e CDS aceitaram no memorando da troika, eliminando estas «participações douradas» do Estado em empresas privatizadas, foi publicado na segunda-feira, para entrar em vigor no dia seguinte. Depois da PT, vão realizar-se em Agosto assembleias gerais da Galp Energia, no dia 3, e da EDP, no dia 25, para também aprovarem a correspondente alteração de estatutos.

 

Crise desigual

 

Nas negociações salariais dos últimos anos, a administração da PT tem praticado uma política que reduz significativamente os salários dos trabalhadores, enquanto atribui muitos milhões de euros aos accionistas, que generosamente dão chorudos prémios aos administradores.

A plataforma sindical, num comunicado em que apelou à participação na concentração de dia 26, explica que a PT Comunicações deu por encerrada a revisão salarial, recusando qualquer actualização em 2011, porque quer assim estagnar as remunerações fixas, através de sucessivas não actualizações, e reduzir os encargos e custos com os trabalhadores na pré-reforma e em suspensão do contrato, cujas prestações têm a actualização dependente dos valores aplicados ao pessoal no activo.

Está em negociação um acordo colectivo de trabalho para o Grupo PT, que numa primeira fase deve abranger a PTC (onde vigora um acordo de empresa) e também a TMN e a PT Prime (aos seus trabalhadores aplica-se o Código do Trabalho). Mas, perante a actual diferenciação, a administração procura retirar direitos na PTC e aprovar um ACT que não passaria de uma versão reduzida do Código do Trabalho, acusam os sindicatos.

Aos trabalhadores, a plataforma sindical deixou um apelo: resistir a esta política e exigir aumentos salariais que reponham o poder de compra perdido e que reflictam parte dos ganhos de produtividade.

O fim da golden share pública «pode vir a causar enormes prejuízos aos trabalhadores, nomeadamente os que estão na situação de pré-reforma e de suspensão de contrato, e trará certamente prejuízo para a empresa e para o Estado, que deixa de poder influenciar este sector estratégico da economia nacional». Os sindicatos exigem a manutenção da golden share e a garantia de mecanismos de defesa do interesse nacional.

Para a Comissão de Trabalhadores da PT, o fim da golden share «é uma malfeitoria contra a economia, as finanças públicas e a soberania nacional». No comunicado em que reagiu à aprovação da medida pelo Governo, a CT destacou que as 500 acções públicas constituem «um valor de muitos milhões de euros», que passa a custo zero para os accionistas privados, que na sua maioria (70 por cento) são estrangeiros. Mas também o comportamento dos accionistas privados nacionais tem demonstrado que são capazes de vender tudo, lembra a CT, evocando a venda da participação da PT na Brasicel (Vivo).

 

PCP apela à luta e age na AR
Fazer frente ao assalto

A eliminação dos direitos especiais do Estado português na PT prova que as medidas que estão em curso, a coberto do programa da troika, nada têm a ver com a dívida pública ou com o défice, antes constituem um programa de assalto aos recursos nacionais e de agravamento da exploração de quem trabalha, afirmou anteontem o PCP, numa nota divulgada pelo Gabinete de Imprensa.

O Partido apelou à luta dos trabalhadores e do povo português para fazer frente a esta medida e anunciou que requereu a apreciação parlamentar do decreto-lei que está na base da decisão aprovada na assembleia geral de accionistas da PT, a culminar um processo de privatização da empresa, iniciado em 1995 pelo Governo PSD de Cavaco Silva.

O PCP recorda que a Portugal Telecom é uma empresa estratégica para os interesses nacionais. Principal responsável pelas operações de telecomunicações no País, detentora de infraestruturas vitais e dinamizadora de um dos principais centros de investigação científica em Portugal, foi fonte de incomensuráveis lucros nos últimos anos, bem expressos nos 708 milhões de euros, divulgados segunda-feira e referentes aos primeiros seis meses de 2011.

A PT tem vindo a ser vítima da estratégia de grupos económicos e financeiros, nacionais e estrangeiros, e tem sido objecto de um verdadeiro saque, ao longo dos anos, com a distribuição de dezenas de milhares de milhões de euros de dividendos aos accionistas. O PCP assinala que tal tem sido feito à custa do agravamento das tarifas, do desinvestimento, do ataque aos direitos dos trabalhadores e do roubo ao Estado português, por via de ardilosas manobras de circulação de capitais, evitando a cobrança de impostos.

Lembrando que foi a existência da golden share do Estado que impediu a concretização da OPA da Sonaecom sobre a PT, o Partido critica o facto de não terem sido utilizados os direitos especiais do Estado noutros processos ruinosos para o interesse público (como na venda da presença da PT na brasileira Vivo à espanhola Telefónica, permitindo que mais de seis mil milhões de euros de lucro fossem transformados em dividendos para os accionistas sem pagarem impostos em Portugal). Agora, a eliminação da golden share representa a abdicação do Estado português de deter qualquer instrumento que salvaguarde os interesses do País e colocará em causa, no futuro, a existência da própria empresa, previne o PCP.

 

Acto nulo

 

O diploma que elimina os direitos especiais do Estado na EDP, na Galp Energia e na PT «constitui um acto contrário aos interesses nacionais, que um futuro Governo tem o dever patriótico de considerar nulo e ilegítimo», afirma-se no texto em que o grupo parlamentar do Partido requereu a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 90/2011.

Tal alienação revela «a inteira submissão ao programa de agressão externa que PS, PSD e CDS subscreveram com a União Europeia e o FMI», e faz parte do «vasto e criminoso programa de privatizações que o Governo anterior iniciou e que o actual se propõe concretizar».

Para o PCP, com esta «entrega directa de valor ao grande capital (nacional e estrangeiro)», é dado «mais um passo no processo de concentração e acumulação capitalista», que tem como consequências:

- a transferência, para o grande capital, dos poderes detidos pelo Estado e a sua incorporação como valor no património desses accionistas;

- a perda de soberania e da capacidade do País de, por via do Estado, impedir operações em que sejam colocados em causa os interesses nacionais.

O PCP reafirma que «os interesses do povo português reclamam uma política contrária ao actual rumo» e que «a necessidade de desenvolver o País, elevar a produção nacional, combater o desemprego, melhorar as condições de vida das populações, travar o endividamento e a dependência externa, defender a soberania nacional, exige que o Estado utilize todos os instrumentos de política económica que a Constituição da República prevê, designadamente o reforço do papel do sector empresarial do Estado».

 



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